Tecnologia: combustível sintético, o retorno
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fotos: renato pereira
se conseguirmos desvincular os interesses e atrocidades que motivam e se desenrolam em todas as guerras, desde que o mundo é mundo e dois seres humanos se encontraram, e nos focarmos exclusivamente no avanço científico e tecnológico em geral que as necessidades constantes de superação impulsionam, poderemos admirar a grandeza da ciência pura e seus benefícios (uma coisa leva a outra, que leva a outra…) para a humanidade. logo, esta matéria não é uma apologia à guerra, é uma apologia à ciência.
como venho dizendo há tempos, praticamente nada do que hoje é propagado como novo é realmente novo, os conceitos remontam séculos e dificilmente algo ainda não foi pensado ou testado. a diferença está quase exclusivamente nos processos e materiais atuais empregados, em resumo, nada além de uma evolução natural, quando se há interesse legítimo e sem impedimentos industriais gigantescos, em buscar alternativas viáveis (e agora ecologiamente corretas) para a contornar a escasses de matérias primas naturais. como o combustível sintético, por exemplo!
tudo se iniciou com a conversão direta de carvão para combustível sintético, patenteado como processo bergius em 1913 por friedrich bergius, na alemanha, e seu desenvolvimento se desenrolou em um conjunto industrial de karl goldschmidt (th. goldschmidt ag), conhecida agora por evonik industries, e somente após 6 anos de trabalhos o produto começou a ser comercializado. em seguida, veio a conversão indireta de carvão, quando o carvão é gaseificado e, em seguida, convertido em combustível sintético, teve seu desenvolvimento pelas mãos de franz fischer e hans tropsch em 1923, patenteado como processo fischer-tropsch, também na alemanha. mesmo princípio, processos diferentes. ambos os processos de produção de combustível sintético (kohleverflüssigung, em sua lingua original) foram de vital importância para a sobrevivência alemã durante a 2ª guerra mundial.
isto porque as guerras não se fazem nos fronts de batalha, se fazem antes em salas onde cabeças pensantes buscam atingir o oponente em suas artérias vitais. como a mobilidade das tropas e a vida da população civil, por exemplo, que precisa cozinhar e se aquecer. os inimigos sabiam disso, e desencadearam o que chamaram de campanha do óleo sobre a alemanha, com ininterruptos bombardeios aéreos visando destruir todas as refinarias, depósitos de armazenagem e infra-estrutura de combustível do país, praticamente varrendo o vale do rühr do mapa. a ofensiva reduziu totalmente a capacidade da máquina de guerra dos odiosos nazistas, porém quem pagou mais caro foi a população civil que não pediu uma guerra e sofreu milhares de baixas.
porém, os alemães também tinham uma sala com cabeças pensantes, que não centralizaram seus laboratórios em um único lugar, e sim os esparramaram por vários países ocupados, como romênia, noruega, bélgica etc. os laboratórios dos processos de bergius e fischer-tropsch eram as principais fontes de gasolina, óleo, diesel, borracha, gás, metanol e amônia, tudo sintético, tanto para fins militares quanto para a população civil. no início de 1944, a produção de combustíveis sintéticos alemães tinham atingido a marca de 124 mil barris/dia oriundas de seus 25 laboratórios.
finda a 2ª guerra começou a guerra-fria estados unidos x união soviética, que promoveu a maior caçada humana onde cada lado vencedor queria “confiscar” para seu território os engenheiros e cientistas alemães. os norte-americanos levaram a melhor, e os processos bergius e fischer-tropsch foram para uma refinaria em brownsville, texas, produzindo 7.000 barris/dia de combustível sintético entre 1950 a 1955 quando, assim como as unidades em new jersey e no missouri, foi desativada em função da queda do preço do petróleo natural devido as descobertas (?) de enormes reservas no oriente médio, mais precisamente na arábia saudita, irã, kuwait, iraque e emirados árabes unidos. estranha coincidência, essa… porque foi esse o tempo necessário para que entrassem em funcionamento as obras iniciadas logo após o fim do conflito, precisamente na região onde mais foram alojados os tais cientistas alemães capturados tanto pelos aliados quanto pelos russos, cada “lado” abastecendo e treinando forças armadas dos países da região. ou será que todo mundo acredita que, do nada, aquele pessoal de lençol na cabeça fabricou tanques, blindados, aviões e artilharia iguaizinhos os excedentes de guerra na europa para formarem suas forças armadas, além de descobrir como fabricar foguetes, mísseis, usinas nucleares…hã?
com o “incentivo” citado acima, os estudos, projetos e desenvolvimentos dos combustíveis sintéticos foram parar nas gavetas dos laboratórios. em 1979, após a segunda crise do petróleo, os estados unidos aprovou a criação da syntetic fuels corporation, laboratório estatal com orçamento inicial de u$ 88 milhões para desenvolver combustíveis sintéticos… aqueles, que o próprio país havia impedido de serem desenvolvidos. os sheiks do petróleo acusaram o golpe, o mercado se estabilizou, novamente tudo foi engavetado e, em 1986, o tiro de misericórdia veio através da ordem de ronald reagan para que encerrassem as atividades do laboratório.
para sorte da humanidade, o mundo não parou porque o ator-presidente mandou. os estudos, ensaios e experimentos ctl (coil to liquids, carvão > líquido), gtl (gas to liquids, gás metano > líquido) e btl (biomass to liquids, biomassa > líquido) foram levados a cabo e em 1993 a anglo-holandesa royal dutch shell (shell oil company) e a sul-africana petrosa iniciaram uma produção conjunta de 12.500 barris/dia para a shell na refinaria em bintulu e 24.000 barris/dia para a petrosa na refinaria em mossel bay. no início de 2007 a suid afrikaanse steenkool en olie (sasol) da áfrica do sul e a qatar petroleum (qp) do qatar iniciaram a produção de gtl em sociedade através da marca oryx gtl; antes disso, em 2006, a shell oil company fundou a pearl gtl, e as norte-americanas chevron corporation, exxonmobil corporation e syntroleum corporation também estão na disputa. recém-chegada empresa no setor, a uzbekineftegaz assusta pelo tamanho e potência, e nem poderia ser diferente, uma vez que a empresa é um consórcio entre a coreana korea national oil corporation, a chinesa china national petroleum corporation, a russa ojsc lukoil e a malaia petronas. a estimativa da agência internacional de energia é que, até 2030 (em 15 anos…) a demanda por combustíveis sintéticos atinjam a marca de 120 milhões de barris/dia.
a mais nova boa notícia é que nem só de petrolíferas vive o mundo dos combustíveis sintéticos. a montadora alemã audi ag vem, nos últimos anos, testando alternativas diferentes dos combustíveis fósseis, porém sem abandonar o motor de combustão interna, desenvolvendo seus combustíveis sintéticos e, recentemente, a montadora anunciou a produção do primeiro lote de sua gasolina sintética, desenvolvida em parceria com a francesa global bioenergies, batizada como e-benzin (e=ecologic + benzin=gasoline), totalmente livre de enxofre e benzeno.
o btl (biomass to liquid) é o processo de sintetização da e-benzin, e é dividido em duas fases, sendo a primeira executada nas instalações da global bioenergies em pomacle, frança, onde o isobuteno, gás formado a partir de um processo de fermentação que envolve material vegetal, neste caso glicose derivada de milho, é produzido e convertido, por purificação, para a forma líquida. de lá, segue então para a segunda fase, a 800 quilômetros de distância, no centro fraunhofer em leuna, alemanha, onde spassa por um processo químico de transformação para 2,2,4-trimethylpentane, também chamado de iso-octano, o componente chave da gasolina por ser o ponto de referência 100 da escala de octanagem do combustível. o próximo passo, segundo as informações da audi, é a obtenção de uma gasolina sintética produzida apenas com água, hidrogênio, dióxido de carbono e luz, o que a tornará ainda mais limpa e menos poluente.
tudo isso nos leva a crer que, se a audi entrou de sola nesse negócio, suas arqui-rivais bmw e mercedes-benz também estão na corrida dos combustíveis sintéticos. o que nos leva a crer que as montadoras francesas, italianas, japonesas e norte-americanas, em seu próprio solo ou em algum dos países onde atuam, também estão. a rolls&royce esta testando um combustível híbrido desenvolvido pela shell para motores a jato. o que nos leva a crer que, em um futuro muito próximo, a humanidade pode finalmente se independer do petróleo natural, do oriente médio, de alguns países do leste europeu e de grande parte do “terceiro-mundo”, que usam o petróleo como fachada para suas insanas guerras étnicas, como pagamento para armas contrabandeadas e moeda de troca para conter suas atrocidades, e tomara que seja esse é o objetivo além, é claro, da limpeza do meio ambiente.