Jac motors: herói da resistência
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fotos: divulgação e renato pereira
a china é, sem a menor sombra de dúvida, o país com a maior quantidade de montadores de carros do mundo, não tenha dúvidas. isso se deve as leis locais, que são absolutamente diferentes e estranhas ao mundo ocidental. são 69 marcas ao todo. parece muito? e é muito!
mas isso deve-se ao fato de sim, os orientais dessa parte da ásia serem ininteligíveis para nós. com 9,6 milhões de quilômetros quadrados, o país é o terceiro maior do mundo em área total e o segundo maior em área terrestre, abrigando mais de 1,36 bilhão de habitantes, o que é quase um quinto da população da terra, espremida em algo em torno de 139,6 hab./km² de densidade nas 20 maiores cidades. não é porque é imensa que é totalmente habitável, certo? a vizinhança também é meio que daquele jeito… mongólia, rússia, coréia do norte, vietnam, laos, mianmar, índia, butão, nepal, paquistão, afeganistão, tajiquistão, quirguistão e cazaquistão. ou se está no gelo puro, ou no deserto puro e montanhoso, ou nas montanhas mesmo, ou fugindo de bombas explodindo perto da fronteira; o negócio, então, é ir para as grandes cidades e encontrar qualquer coisa para fazer, independente do salário. então, espaço e mão de obra, a china tem para dar e vender. e é mais ou menos isso que o regime de governo da república popular da china, daqueles comunistas radicais, que só serve para eles, se é que serve, tem a seu dispor.
o que o governo tem a ver com a indústria automotiva? tudo, e com toda a indústria e comércio do país. a indústria automotiva chinesa é bastante antiga, porém só desenvolvia e montava veículos voltados para o consumo interno, e dá para se imaginar o nível e a qualidade das coisas rodantes que produziam. o mundo foi se fechando, a globalização foi apertando, países do terceiro mundo começaram a se achar muito importantes, os custos de produção subindo a jato… e a china começou a montar veículos em regime ckd –completely knock-down, conjuntos de partes de automóveis criados pela fábrica matriz para exportação e posterior montagem dos veículos nos países receptores destes kits, geralmente fábricas menores ou com produção reduzida – , com o setor pegando fogo a partir dos anos 2.000 (em 1992 foram produzidos 1,1 milhão de veículos; em 2001 foram 3,25 milhões, em 2006 foram 7,22 milhões e, em 2014, foram assustadores 23,72 milhões de veículos produzidos), quando as montadoras européias, norte-americanas e japonesas descobriram o baixíssimo custo (e abundância) de mão de obra, sua localização excelente como plataforma de exportação – está de cara para o oceano pacífico, entre outras vantagens – e a fome insaciável do governo por dinheiro e poder. choveu na horta de todo mundo!
com a tecnologia das plataformas compartilhadas, nada mais fácil para qualquer montadora simplesmente desmantelar um pátio fabril em um país e rapidamente instalar tudo em outro. é o que vem acontecendo em velocidade ciclônica. a mão-de-obra européia, norte-americana,sul-americana e japonesa é muito cara, os sindicatos se metem e atrapalham tudo e demais, e as américas do sul e central são governadas em sua imensa maioria por desgovernos corruptos e nada confiáveis a curto, médio ou longo prazo. contratos e palavras, nessa região, foram feitos para serem quebrados, instalações tomadas, moedas que desvalorizam do nada, e ninguém gosta de perder montanhas de dinheiro. quer um exemplo bem próximo e palpável disso? o brasil. nem para depósito de modelos descontinuados no primeiro mundo estamos servindo mais. a china, ao contrário, não é em nada hostil ao crescimento monetário da indústria automotiva, que sustenta uma rede gigantesca de fornecedores, que contratam mão de obra que consome de tudo. 8% de tudo o que se vê de produtos originais a venda no mundo é made in china. 90% do que se vê de pirata ou falsificado no mundo também é made in china. tudo tem um preço…
e o governo chinês cobra esse preço direitinho. qualquer um pode começar a construir veículos por lá, desde que seja chinês. é mais ou menos assim: o jin chang quon inventa de construir um carro; monta seu projeto empresarial, apresenta a proposta e esta fundada a chun juan automobile, onde o governo é dono de 50% logo de cara. mas… o jin chang quon sabe construir carrosó não, nem o governo, que nem quer aprender. mas a montadora x, de algum canto do mundo, sabe. e vira sócia do intrépido chinês – e do governo –, fornecendo tudo que é preciso por módicos 50% e está pronto o sedan compacto zy. legal, tudo está funcionando as mil maravilhas, mas caramba… a chun juan automobile só fabrica um modelo de compacto; precisa expandir, disputar outras fatias de mercado. então, pensa em um hatchback médio. a montadora x, sócia do zy, não pode entrar nessa, porque já tem uma joint venture com a ly yin motors; sem problemas, jin chang quon descola outra montadora multinacional, cria a empresa hou chi, joint venture entre a chun juan automobile, o governo é sócio de novo e pronto, lança o modelo ky! basicamente, é por que isso existem 69 montadoras diferentes made in china.
como toda regra tem uma exceção, aqui também tem. a jac motors, acrônimo de anhui jianghuai automobile co., ltd., fez as coisas de uma maneira um bocado diferente. fundada em 1964 como hefei jianghuai automobile factory, seu nome foi mudado para anhui jianghuai automobile co., ltd. em 1997, através de um ipo – oferta pública inicial, ou lançamento no mercado de ações, um tipo de oferta pública em que partes do estoque de uma empresa são vendidos para investidores institucionais que, por sua vez, as vendem ao público em geral, em uma bolsa de valores e, através deste processo, uma empresa privada se transforma em uma empresa pública – na bolsa de xangai em 2001, o que resultou no capital necessário para sua expansão. então, oficialmente, a empresa é um adolescente com 13 anos de idade e é a única montadora, entre as 69 existentes, que trabalha absolutamente sozinha no segmento de automóveis e comerciais leves, sem nenhuma joint venture!
logicamente ninguém nasce sabendo; como sua linha de produção inicial da empresa era voltada aos veículos comerciais, caminhões e ônibus com a marca jianghui, quando a ideia de produzir minivans e suvs surgiu, a empresa precisava saber como desenvolver seus produtos, e operou em regime de cooperação com a sul-coreana hyundai, que tentou a criação de uma joint venture com a jac em 2004, sem sucesso, e acabou por aí o envolvimento das duas montadoras. em 2009 o patrão-governo sinalizou com a possibilidade de unir a chery, que se encarregaria das linhas de automóveis de passeio e a jac ficaria com o segmento de comerciais leves e caminhões, o que não aconteceu em virtude da negativa da jac em aceitar a o acordo. o projeto e desenvolvimento de um modelo totalmente elétrico (jac iev) ajudou bastante à montadora a se manter independente, sendo o veículo 100% elétrico mais vendido na china em 2013, além de, em 2010, com 458.500 unidades comercializadas na china, a jac comprovou sua capacidade, conquistando a 8ª colocação entre as 69 marcas produtoras, abocanhando 2,5% de seu mercado.
mesmo com o mercado mundial se recuperando de uma crise iniciada na europa, com reflexos em toda a ásia – e na própria china, que sofre um forte abalo císmico financeiro recentemente, a jac permanece atuante e desbravando novos mercados, com modelos capazes de enfrentar de igual para igual marcas seculares e donas de clientelas fieis, utilizando-se de estúdios renomados, como a pininfarina, nos designs de seus carros. uma tentativa de expandir ainda mais suas fronteiras foi feita com o brasil da era pré-estouro da bolha-ilusória-de-crescimento-e-fartura que o governo local vendia, em 2009, quando seu distribuidor no brasil, o grupo shc, se propôs a arcar com 80% do investimento inicial de uma planta produtiva na cidade de camaçari, no estado da bahia, porém tudo foi paralizado em função da não liberação do financiamento aprovado e – até aquele momento – garantido pelo desembahia, anunciado para outubro de 2014; lá se vão longos 9 meses de espera e até agora nada do governo honrar seu compromisso… depois não entende porque ninguém quer investir no país. lamentável, mas esperado de um governo corrupto, devedor e sem rumo.
no brasil, seus modelos vem se firmando dia a dia em nosso disputado mercado, normalmente bem mais completos e atuais do que seus concorrentes, nacionais ou importados, e também normalmente com valores mais acessíveis do que o praticado no mercado. sua linha em nosso mercado se inicia no minicompacto hatchback j2, passando pela família dos compactos j3 com os hatchback j3 e j3s e os sedan j3 turin e j3 turin s, o sedan médio j5, a station wagon j6, o suv compacto t6 e a minivan t8.
em seu país de origem, os modelos produzidos pela jac vão desde o minicompacto até ônibus e caminhões, mas não é o objetivo da marca no brasil operar com sua linha de carga, visto que há décadas temos apenas as mesmas marcas perambulando em nossas cidades e estradas, salvo uma ou outra tentativa de ingresso de outra montadora, que acaba sempre sendo esmagada e eliminada de nosso cenário, sabe-se lá porque. antes que eu me esqueça, isto não é uma matéria paga; trata-se exclusivamente do resultado de um trabalho de um estudioso da indústria automotiva em todo o mundo, e do reconhecimento da luta normalmente desigual que algumas empresas conseguem vencer.