Messerschmitt kr175: o pequeno notável
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fotos: divulgação e renato pereira
na indústria automotiva, não se conta a história de nenhuma marca européia sem o divisor antes das guerras / depois das guerras. não de todas, porque vira e mexe alguns países do continente estão envolvidos em tiroteios em algum lugar, o que mostra que a humanidade evoluiu, mas não muito, desde que começou a caminhar sobre duas patas. a única coisa que positivamente evolui em função dos conflitos é a tecnologia, em todos os setores, e não se trata de apologia às guerras, mas simples constatação do dito popular que diz que “a necessidade faz o monge (originalmente, ´não é o que o monge veste que o faz monge, mas sim a necessidade que ele tem e que lhe aguça o engenho`)” e, neste caso, as necessidades sempre foram muitas tanto antes, quanto durante e, principalmente, ao término de cada ciclo de barbárie. como os assuntos que www.carpointnews.com.br trata são os veículos automotores, evidentemente esta matéria é voltada a essa tecnologia, mais especificamente a uma invenção originada pela necessidade do pós-guerra pelo desmantelamento da indústria alemã.
em todo o mundo produtivo, as indústrias foram, de uma forma ou de outra, totalmente envolvidas no que se acostumou chamar de “esforços de guerra”. as indústrias automotivas, por motivos mais do que lógicos, foram das mais atuantes em diversos segmentos dos transportes, principalmente no desenvolvimento de motores para os mais diversos fins, desde a 1ª guerra mundial, e a aviação foi um dos grandes enfoques. afinal, como acontece até hoje, quem projeta e fabrica aviões não projeta e fabrica motores, seja à combustão interna, seja à reação (“a jato”), contratam um ou mais fornecedores para seus propulsores. fabricantes norte-americanos, ingleses, japoneses, italianos, franceses, russos e alemães, é claro, todos entraram na dança. não é sobre aviação que falaremos, é sobre um dos carros mais emblemáticos da história dos automóveis e, ao ler a matéria, você entenderá que uma rápida pincelada sobre as participações das gigantes germânicas no setor aeronáutico é necessária.
vários fabricantes de motores abasteceram a indústria de aviões germânicas nas duas grandes guerras, entre elas as hoje gigantes bmw e daimler-benz. volkswagen, audi e porsche não participaram do setor em nenhum dos eventos, e suas participações nos conflitos são conhecidas. se haviam tantos fornecedores de motores, evidentemente havia um imenso número de fabricantes de aviões, sendo os mais importantes a arado, dornier, heinkel, junkers, focke-wulf e messerschmitt. interessante destacar que, entre os anos de 1914 a 1919, os motores 6 cilindros em linha, 2 válvulas por cilindro, aspirados, carburados, refrigerados à água, evoluíram de 120 para 252 cv. por volta dos anos de 1935, os motores v12, 2 válvulas por cilindro, aspirados, carburados, refrigerados à água atingiam mais de 4 vezes essa potência. a messerschmitt notabilizou-se pela criação do caça me bf109 em 1936, com o motor daimler-benz db605a-1 e seus 1.450 cv de potência máxima, considerado até a atualidade como um dez 10 melhores aviões de combate de todos os tempos.
a messerschmitt foi fundada em 1916 pela associação da man com 30% e dos bancos für handel und industrie e hermann bachstein, com 34% cada, ao comprarem a empresa otto-flugzeugwerke com o nome bayerische flugzeugwerke ag, depois messerschmitt-bölkow-blohm e hoje pertencendo a daimler-benz aerospace. wilhelm “willy” emil messerschmitt era um projetista de aviões que teve seu primeiro projeto, o planador s8, quebrando o recorde de permanência em vôo em 1921. em 1923 fundou sua empresa que, em 1927, se fundiu com a bfw (bayerische flugzeugwerke, fabrica de aviões da bavária); por seus projetos impressionantes e sua grande capacidade de se adaptar aos mais malucos pedidos da luftwaffe comandada por hermann göring, puxa-saco que se desdobrava para agradar o chefe da nação em seus delírios, messerschmitt tornou-se famoso mundialmente por projetar e fazer voar com êxito o me 262, primeiro avião a jato do mundo.
finda a 2ª guerra, com a alemanha novamente proibida de fabricar qualquer coisa supostamente com fins militares – eufemismo cretino para os aliados se apossarem de todas as patentes e produções da engenharia germânica até se cansarem – a empresa teria fechado as portas não fosse o lançamento de um veículo estranhíssimo (tá bom, feio mesmo…), projetado por fritz fend, para o mercado de uma europa devastada e de uma alemanha dez metros abaixo da linha da pobreza, o kabinenroller!
o primeiro messerschmitt kabinenroller (cabinscooter, scooter com cabine) apresentado ao mundo foi o modelo kr175 em 1953, sendo substituido após 15 mil unidades comercializadas pelo modelo kr200 em 1955, que ficou em produção até 1964. eram fabricados na sede da empresa em regensburg, bavária, alemanha e sob licença com o nome mivalino em brescia, lombardy, itália, comercializados pela empresa regensburger stahl – und metallbau gmbh, criada pela associação de messerschmitt com fend para escaparem das imposições comerciais ainda vigentes sobre os países derrotados há uma década. como era de se esperar dadas as dificuldades generalizadas de se fabricar qualquer coisa na europa em reconstrução, mais de 70 modificações foram implementadas nos kr175 entre fevereiro e junho do ano de seu lançamento, e aí sim o carro-bolha (como ficou conhecido) ficou bom. feio aos extremos como antes, mas funcional e servindo completamente ao seu propósito de transportar duas pessoas pelas antigas (as que sobraram…) e estreitas ruas européias.
o kr175 era um projeto classificado na categoria micro-carro, coupé, com arquitetura rmr – rear mid-engine/rear wheel drive, motor pequeno longitudinal traseiro/tração traseira – duas rodas dianteiras e uma traseira, com dois assentos, dispotos um à frente do outro e não lado-a-lado, com teto-cúpula em plexiglás transparente, abrindo para cima e à direita, servindo de pota, com recortes laterais para as janelas de correr, e um párabrisa em vidro reto. apenas no modelo k200 o párabrisa era recurvado nas laterais. na versão sportster (sim, tinha uma versão “esportiva”), não estavam disponíveis o teto-cúpula nem as janelas, apenas um pequeno párabrisa. em ambas as versões, os limpadores de párabrisa eram acionados manualmente. essa arquitetura onde a disposição dos assentos, a capota e seu funcionamento mostra a origem aeronáutica em que se baseou todo o projeto.
o pequeno carrinho era impulsionado por um motor fichtel & sachs de um cilindro, ciclo de dois-tempos, 174cc (191cc no modelo kr200), 9 cv de potência máxima, com partida a pedal ou elétrica opcional. assim como messerschmitt e e fend, a fabricante desses motores também foi totalmente absolvida de seus envolvimento com a máquina asassina de guerra que destruiu a alemanha, por serem corretamente julgadas como isentas de qualquer culpa nas atrocidades e desmandos cometidos pelo reich. e também passou apertos inomináveis no pós-guerra, sobrevivendo ao produzir rolamentos de esferas, peças para bicicletas, motores e ciclomotores. após passar para mannesmann sachs, hoje a empresa é conhecida mundialmente como zf sachs ag. o motor era posicionado atrás do banco traseiro e imediatamente à frente da roda traseira, acoplado a um câmbio sequencial de 4 marchas, sem sincronizados. uma curiosidade era que, para dar marcha-a-ré, o motor tinha de ser desligado, mudava-se a posição do comutador e a transmissão revertia-se, com as mesmas relações das 4 marchas disponíveis no sentido oposto.
medindo 2.820mm de comprimento, 1.220mm de largura e 1.200mm de altura, o carro pesava 210 kg vazio e no máximo 360 kg carregado, era controlado por um volante semelhante a um guidão motociclístico, três pedais e alavanca de marchas e atingia impressionantes 80 km/h de velocidade máxima, com seu consumo na casa dos 34 km/l, sendo substituido pelo modelo k200 após 15 mil unidades comercializadas. o design messerschmitt kr175 é daquela categoria que se divide em “ah, era bonito para a época”, passando por “ah, é exótico” e chegando em “ah, era feio de doer”. como gosto e beleza são subjetivos, as fotos da matéria servirão para que cada um decida como entender o surpreendente veículo alemão que, hoje, é bastante raro em qualquer estado de conservação, quem tem não vende e, se por algum motivo pensar em vender, não começará a conversar com nenhum valor abaixo de €30.000,00, em torno de r$ 90.000,00, restaurado, na europa.