segue trecho:
a edição de marão da revista inglesa motor sport fugiu um pouco da tradição de publicar fotos de época na capa. uma das mais antigas e prestigiosas publicações sobre automobilismo do mundo, a motor sport resolveu entrevistar alain prost. para falar de um único assunto: ayrton senna.
e ele falou como nunca, ao jornalista pascal dro. começou recordando seu primeiro encontro com senna, em 1984, quando a mercedes organizou uma corrida em nérburgring para lançar o modelo 190. a montadora convidou pilotos em atividade e alguns que já tinham parado de correr. uma prova de estrelas.
ayrton chegou meia hora depois de mim e me pediram para lhe dar uma carona até o hotel. ele percebeu de cara que eu dirigia muito rápido disse que eu era doido e que guiava rápido demais… foi nosso primeiro encontro. ele não conhecia muita gente naquele mundo novo para ele, e ficou muito do meu lado, porque havia gente de outras gerações, como jody scheckter e denny hulme , contou o franc?s.
de acordo com prost, já naquela corrida deu para perceber a atitude competitiva ao extremo de senna. você sabe o que acontece quando coloca 15 ou 20 pilotos ao mesmo tempo numa pista... , disse. eu estava na pole e ele em segundo. e ele queimou a largada, saiu antes da bandeirada. bem, não era uma corrida de verdade, mas aquilo me irritou muito. achei que foi um pouco demais. era nosso primeiro encontro, e já houve certo constrangimento.
alain descreveu ayrton como uma pessoa de personalidade especial e diferente . ele era um pouco teatral, também. tinha um discurso muito elaborado. fazia longos sil?ncios e disparava tr?s frases feitas. e tinha assessoria de imprensa desde a f-3 ninguém fazia isso naquele tempo. nunca soube se seu ar misterioso era natural, ou apenas parte de seu jogo. mas tenho de admitir que isso agradava a imprensa.
um dos momentos teatrais lembrados por prost foi numa coletiva em m?naco, quando senna disse que se viu fora do cockpit, olhando para ele mesmo pilotando. se uma pessoa diz isso hoje, vão o por numa camisa-de-força e o cara nunca mais guia um f-1 mas isso fazia parte de sua personalidade.
no trecho mais pol?mico, o tetracampeão fala sobre seu relacionamento com senna nos tempos de mclaren. o jornalista pergunta se ele aprendeu algo com o brasileiro naqueles dois anos, 1988 e 1989. pode parecer um pouco pretensioso de minha parte, mas para ser honesto... nada. aprendi muito com niki lauda, eu era muito mais jovem que ele. ayrton estava na mesma posição comigo. e acho que ele aprendeu muito comigo. sua maior habilidade era otimizar o carro para uma volta rápida. especialmente o uso dos pneus de classificação, o que para mim era algo que importava pouco. na ferrari, quase sempre eu me classificava usando pneus de corrida.
prost acha que a capacidade de ser rápido em classificação era o ponto forte de senna. mas no que diz respeito ao que ele fazia em corrida, não aprendi nada com ele. para ayrton, o qualifying era tudo que importava. ele olhava o que eu fazia e depositava todo seu esforão na classificação. era seu ponto forte. se ele tinha um, era esse. vou ser franco: muitas vezes, o que ele conseguia nos treinos me surpreendia. me espantava, ?s vezes. em corrida, ayrton nunca me impressionou. mas em classificação, sim.
a rivalidade entre os dois foi tão grande que prost admite que, em um determinado momento, ele passou a fazer parte da minha fam?lia . houve um período na minha carreira em que só ele me importava. eu simplesmente esqueci os outros pilotos. nés domin?vamos a f-1 de tal forma que os outros eram apenas uma abstração. e apesar de tudo, nés sempre nos falamos. mesmo nos piores momentos. pod?amos não conversar entre as reuniões técnicas, mas durante os encontros com os engenheiros, fal?vamos clara e honestamente. pelo menos de minha parte. e se um dia eu tive alguma dúvida sobre o lado dele, acho que elas se perderam no tempo. o mesmo não posso dizer da honda. mas no que diz respeito a acerto de chassi, nunca tive nenhuma suspeita.
a honda, na opinião de prost, fez muito rapidamente uma clara opção por senna. para o franc?s, o tratamento diferenciado dado pelos japoneses ao brasileiro era visável. psicologicamente, era algo que me destru?a. a honda não jogava limpo comigo. não tánhamos o mesmo tratamento. lembre-se que naqueles dias, as áreas de chassi e motor eram muito mais separadas do que hoje. na honda, eles queriam escolher quem iria vencer. não tenho dúvidas sobre isso.
os dias que antecederam o acidente que matou ayrton, em ?mola, também estão bem vivos na memória de prost. nunca nos falamos tanto quanto naquelas semanas. antes, ele não me telefonava muito. mas depois que eu parei, começamos a nos falar, e ele demonstrava preocupação. primeiro, se decepcionou com a williams. era diferente da mclaren, onde ele era o número um sem questionamentos. na williams, encontrou um ambiente muito britúnico, difácil. depois, estava desconfortável no carro. eu disse a ele que o carro não era tão fácil de guiar como diziam. o desenho dele era esquisito. disse a ayrton, a posição de dirigir era a mesma que fizeram para o mansell dois anos antes. eu guiei daquele jeito o volante ficava muito para baixo e a posição de pilotagem era extremamente complicada. disse a ele para insistir, pedir. e ele estava preocupado com segurança. me pediu vêrias vezes para levantar a questão na gpda. e, além disso, estava convencido de que a benetton estava roubando. mas, sobretudo, estava com problemas pessoais e se sentia sozinho, desmotivado para desafiar os outros pilotos.
? aí que entra outro trecho dos mais significativos da entrevista de prost é motor sport : o papel que ele, alain, teve na carreira de senna. ele nunca me falou que ia parar, mas falou sobre a falta de motivação. as pessoas não tám idéia do que significou, para ele, chegar é f-1, tentar me derrotar e conseguir. eu era seu ponto de refer?ncia. quando parei, ele perdeu isso. e em meio a muitas outras questáes, uma era fundamental. ele não sabia mais o que estava fazendo na f-1. era como se tivesse perdido um objetivo. ele usava nossa rivalidade como forma de se motivar. e aí a guerra acabou no gp da austr?lia de 1993, minha última corrida. nos falamos muito pelo telefone naquele inverno. estava chegando uma nova geração, as coisas estavam diferentes, sei lá... não dá para saber exatamente o que estava se passando por sua cabeça.
o 1? de maio de 1994 não sai da cabeça de alain, que se encontrou com senna no domingo pela manhã no autódromo, depois da morte de roland ratzenberger, no sóbado. foi desconcertante. ele não era a mesma pessoa. eu estava almo?ando no motorhome da renault, em frente ao da williams, e ele veio falar comigo. fiquei espantado. nem lembro bem o que conversamos, mas me lembro como fiquei assustado com aquilo, porque era uma das coisas mais improvóveis do mundo o ayrton sair de onde estava para vir falar comigo no meio de um monte de gente. antes da largada, fui aos boxes da williams e falamos de novo sobre a benetton. perguntei como se sentia, e ele me respondeu que não estava muito otimista para aquela corrida. foi a última vez que nos vimos. no grid, notei que ele ficou sem o capacete. normalmente ele parava o carro e ficava de capacete, mas naquele dia foi diferente. parecia nervoso. você pode imaginar um monte de coisas. falaram até em suic?dio, mas não acredito nisso.
prost reconhece que o mito ayrton senna continuou a crescer depois de sua morte. ? algo irracional. as pessoas olham para o passado e dizem que nada mais é como era naqueles tempos, embora eu olhe para as disputas entre hakkinen e schumacher, ou hamilton e alonso, e considere até mais intensas que a nossa. mas as pessoas não enxergam assim. h? um grande impacto quando se olha para o passado, é assim que os mitos crescem. não aconteceria com uma pessoa viva. não aconteceu com schumacher, embora ele tenha conquistado sete tátulos mundiais. ele teria de ganhar sete campeonatos e morrer em sua última corrida para isso acontecer com ele. é engraçado, mas é assim...