fotos: renato pereira / divulgação
como sempre digo, nada ou quase nada do que vemos hoje na indústria automotiva é algo além de aperfeiçoamento ou emprego de novos materiais em tudo o foi inventado há dois séculos. salvo uma ou outra coisa, tudo é antigo. o que viabiliza ou impede 99,99% de qualquer alternativa são os interesses financeiros incalculáveis envolvidos na indústria. e, ciclicamente, velhos conceitos e teorias voltam à tona sem que, no entanto, a situação se altere totalmente ou comprometa o que já está implantado e enraizado.
a idéia de criar um veículo de transporte que não fosse movido por animais teve seu início através da criação do francês nicolas-joseph cugnot em 1768, movida a vapor. era esquisita para os dias de hoje, mas funcionava e foi o que deu o start na corrida do desenvolvimento automotivo, liderada por ele próprio ao apresentar a evolução de seu veículo em 1771.
françois isaac de rivaz, outro francês, deu mais um passo à frente, ao apresentar, em 1807, seu veículo movido a motor de combustão interna a hidrogênio. então foi a vez da alemanha, em 1886, entrar na disputa com o a chegada do benz patent-motorwagen, criado por karl benz, com motor de combustão interna a gasolina, tornando-se o primeiro automóvel de produção – foram construidas várias cópias – do mundo.
porém, bem antes de a gasolina suplantar o vapor (para alegria de john davidson rockefeller, que enfrentava sérios problemas jurídicos com seu monopólio de querosene e não sabia pra que servia a gasolina que jogava fora, fechando as portas da standart oil como refinaria e abrindo uma imensa rede de postos de abastecimento) como combustível, muitos inventores acreditavam na eletricidade. o primeiro projeto que funcionou foi um modelo rudimentar criado pelo hungaro ányos jedlik, em 1828, não por acaso o cara que inventou o “dispositivo rotativo eletromagnetico”, com estator, rotor e comutador, ou, simplesmente, o motor elétrico de corrente contínua.
apenas seis anos depois do protótipo de jedlik, em 1834, um ferreiro em vermont, estados unidos, chamado thomas davenport, fabricou o primeiro motor elétrico no país, e o instalou em um carro, alimentando-o através de uma faixa eletrificada circular. em 1838, apresentou o primeiro automóvel movido a eletricidade. e as baterias recarregáveis, para o armazenamento de eletricidade a bordo de um veículo, chegou em 1859, com bateria de chumbo-ácido do físico francês gaston planté. ou seja, a “bola da vez” da atualidade, que anda enchendo os noticiários do setor e o imaginário da população como um produto oriundo da ficção científica, os carros elétricos, são, portanto, tão atuais quanto uma caravela!
a “era de ouro” dos carros elétricos foi na transição entre os séculos 19 e 20, quando a indústria da eletricidade colhia os frutos da guerra entre john pierpont morgan e george westinghouse (financiadores de thomas edson / corrente contínua – e nikolas tesla / corrente alternada), que investiram fortunas em seus sistemas elétricos e tentavam, de quebra, levar john d. rockefeller à falência…), e era o método preferido para a propulsão dos automóveis, por proporcionarem um nível de conforto e operacionalidade impossíveis (na época) para os carros movidos a motor de combustão interna. é fácil se imaginar a barulheiras e a fumaceira dos motores a gasolina contra o silêncio dos motores elétricos, não é? não por acaso, no ano de 1900, 38% dos automóveis norte-americanos eram elétricos, contra 22% a gasolina.
mas o produto “carro elétrico” ia diretamente contra os interesses de muita gente grande demais, milhares de dólares em investimentos em extração de petróleo, refino e distribuição de gasolina, governos envolvidos até suas medulas com grandes conglomerados industriais (interligados por diversos interesses mútuos) levaram os inventores e fabricantes a se focarem no desenvolvimento dos motores de combustão interna. a introdução da partida elétrica, a melhoria nos sistemas de abastecimento e a produção em massa, entre outros fatores, reduziram os preços dos automóveis a gasolina pela metade, diminuindo muito as vantagens relativas aos carros elétricos, o que os levou ao declínio e a extinção do mercado. não por acaso, no ano de 1914, 99% dos automóveis norte-americanos eram a gasolina, contra 1% elétricos, e “ajudas” da imprensa, como um artigo no washington post em 2010, afirmando que “a mesma falta de confiabilidade das baterias dos carros elétricos persiste até hoje” foram preponderantes para esse cenário.
durante a 2ª guerra mundial – sempre as guerras atrapalhando ou impulsionando a ciência e a tecnologia – muitos paises europeus testaram diversos veículos elétricos, mas os interesses anteriormente mencionados permaneceram no comando, e novamente o desenvolvimento da geração, armazernamento e propulsão elétricos se estagnou. nos anos 1960, novas investidas foram feitas, como a american motors corporation (amc) e sonotone corporation projetando um carro moto-contínuo (que se auto-recarrega) alimentando uma bateria com placas sinterizadas de níquel-cádmio e o henney kilowatt, criado em 1960. isso, e só por isso, me faz crer que o tal “sonho impossível” de um moto-contínuo só é um sonho impossível porque não querem que se torne real, já que tecnologia e materiais para isso já existem há décadas.
as crises energéticas dos anos 1970 e 1980 deram uma balançada em governos e indústrias, trazendo um interesse renovado na total independência que os carros elétricos tem com relação as flutuações do mercado de derivados de petróleo, produto 100% responsável por 9 ½ entre 10 guerras da história (ou alguém acredita que os infindáveis conflitos no oriente médio contam sempre com as intromissões diretas ou indiretas dos estados unidos e aliados de um lado e rússia e aliados do outro porque as duas nações são extremamente humanitárias e filantrópicas?), interesse disfarçado pelos discursos ecologicamente corretos sobre emissões zero, preservação da natureza etc, e surgiram a van te da chrysler, a pick-up ranger ev da ford, a pick-up s10 ev da chevrolet, o hatchback honda ev plus, a minivan nissan altra ev e o suv toyota rav4 ev.
a atual recessão econômica mundial iniciada no início de 2000 fomentou novamente as investidas no desenvolvimento de veículos elétricos, apontando os suv´s como símbolo do excesso e direcionando a indústria para a criação de carros pequenos, híbridos e 100% elétricos. em julho de 2009 a mitsubishi lançou no japão o imiev para frotistas e em abril de 2010 para pessoas físicas, além de exportar o modelo para a china e austrália, mesmo ano que começaram as vendas do nissan leaf no japão e estados unidos, lançado no ano seguinte na europa e canadá. em março de 2012, a californiana tesla motors havia vendido mais de 2.250 modelos roadster em 31 países.
em fevereiro de 2011, o mitsubishi imiev tornou-se o primeiro carro elétrico a vender mais de 10.000 unidades, ultrapassando o citroën c-zero e peugeot ion, mesmo ano em que o smart eletric drive, wheego whip life, mia eletric, volvo c30 eletric, ford focus electric e byd e6 chegaram ao mercado. em seguida, o nissan leaf ultrapassou o imiev como o carro totalmente elétrico mais vendido da história. entre 2012 e 2014 foram lançados o bmw activee, renault fluence ze, tesla s, honda fit ev, toyota rav4 ev, renault zoe, roewe e50, mahindra e2o, chevrolet spark ev, fiat 500e, volkswagen e -up!, bmw i3, bmw brilliance zinoro 1e, kia soul ev, volkswagen e-golf, mercedes-benz b-class eletric drive, e venucia e30. em 2013 o nissan leaf ultrapassou as 50.000 unidades vendidas, e a marca de 100.000 foi estabelecida em janeiro de 2014.
entre as configurações existentes, a mais comum é a que dispoe de um único motor, porém a de maior eficiência é a que aplica os motores diretamente às rodas, traduzindo de imediato toda a energia disponível em potência pura (nenhum veículo com motor a combustão consegue extrair mais do que 60% da energia produzida). esta arquitetura otimiza tanto a propulsão quanto a frenagem, além de reduzir o centro de gravidade e o número de peças móveis, porém aumenta o peso não suspenso da roda. como se pode ver, ainda há muito o que se desenvolver no mundo dos carros elétricos (ou finalmente ser desengavetado…), e é certo que dificilmente os veículos elétricos susbtituirão por completos os modelos à combustão interna, porém a tendência é que seu volume de vendas se equipare em pouco tempo. a título de comparação, o audi r-zero concept, apresentado em 2006, gera em torno de 820 kw, que é igual a 1.090 cv, pesa 2.000 kg, e faz de 0-100 km/h em 3,0 segundos, mesmo tempo que o koenigsegg agera s, com motor a gasolina v8 bi-turbo com 1.216 cv, e atinge a velocidade máxima de 460 km/h.